terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Água

A água vai ser o principal motivo da eclosão da 3ª guerra mundial; não é o que dizem? Se isso vai acontecer ou não, ninguém pode dar certeza. Previsões catastróficas existem aos montes. Mas posso garantir que se isso for verdade, se de fato um dia o mundo todo estiver envolvido novamente numa grande guerra, e desta vez por causa da água, uma das primeiras batalhas ocorreu aqui em São Paulo, mais especificamente no bairro da Lapa, onde moro.
No quinto mês na nova casa, resolvi ligar para a Sabesp; as contas estavam vindo altas demais! Na outra casa, que era maior, gastávamos menos: 35, quando muito 40. Agora a conta vem marcando 50, 55, 60 reais! Esculachei pelo telefone; ora, deveriam me devolver o dinheiro!; o que estava acontecendo era um absurdo; uma residência com só duas pessoas não pode consumir 60 reais de água por mês! Mas o atendente só me falava para ter calma e me transferia para repetir toda a reclamação a outro atendente, que, por sua vez, não resolvia nada, e assim por diante. Resumindo, disseram-me que devia ter vazamento, mas, para esclarecer qualquer dúvida, trocariam em menos de uma semana o hidrômetro, popularmente conhecido como relógio de água, que mede o consumo da nossa casa. Também me recomendaram fazer o teste: logo cedo, antes de abrir qualquer torneira, aproveitando que a caixa d'água está cheia, verificar se o ponteiro do hidrômetro está girando; em caso afirmativo, não resta dúvida, há vazamento.
Fiz o teste. O relógio, durante os minutos em que fiquei agachado observando-o, não se moveu. Mesmo assim, chamei na segunda-feira um encanador, que trocou a borrachinha de todas as torneiras da casa, e ainda consertou um pequeno desajuste na descarga do banheiro principal. Pronto. Minha parte estava feita. Após alguns dias, vieram instalar o novo hidrômetro, e cheguei a acreditar, por duas semanas, que o problema estava solucionado.
Mês seguinte: 65 reais! Esbravejei novamente com uma atendente da Sabesp, mas ela me disse que, tendo sido trocado o hidrômetro, nada poderia ser feito da parte deles; o problema estava dentro de casa. Por acaso tínhamos aumentado o consumo? Não. Tínhamos trocado a água da piscina? Que piscina?! Estávamos recebendo muitas visitas em casa? Não que eu me lembre... Não, claro que não! Estava tudo dentro do normal. Fiquei perplexo com aquele interrogatório. Desliguei o telefone. Pedi água...
Naquele dia, saí de casa confuso. Será que havia vazamento debaixo do piso da sala? Dentro da parede do banheiro? Pois de algum lugar aquela água estava saindo, ainda que fosse em forma de vapor! Fechei o portão de casa e me deparei com uma cena bastante suspeita: meu vizinho, o palmeirense (o meu carma são os vizinhos palmeirenses, eles me perseguem aonde quer que eu vá), estava enchendo baldes, garrafas, além de um enorme tambor de plástico, com a água que jorrava abundante da torneira do seu quintal da frente. Parei e fiquei observando. Assim que me viu, deixou a torneira aberta e se levantou para falar comigo:
– Fala, Carlos, como é que vai? – Eu vou bem, e o senhor? – Comigo tudo ótimo! Continuei olhando aquela cena e ele percebeu o meu estranhamento. – Olha, não conta pra ninguém, essa água aqui eu pego de graça.
– Como assim você pega de graça?!
– Cara, se eu te disser você não acredita... – e se aproximou lentamente de mim, como se viesse contar um segredo. – Quando mudei pra cá, percebi que a água que sai dessa torneira aqui de fora vem direto da rua, não passa pelo relógio da minha casa... Deve ser mutreta do morador antigo, não sei quem foi que fez o gato. E nem quero saber. Água pra lavar o quintal, molhar as plantas, fazer comida, a gente só pega daqui. Se você quiser pegar também, tá liberado: é só trazer um balde, dar um toque aí, e quem tiver em casa abre pra você...
Ele continuou explicando como funcionava o esquema, e as outras utilidades que dava para a água retirada ilegalmente da torneira do quintal, enquanto eu retornava calmamente à minha casa, sem dar muita bandeira, de vez em quando respondendo qualquer coisa, só para ele pensar que estava prestando atenção. Do outro lado, o barulho da água jorrando pela torneira; deste lado, o hidrômetro girando alucinadamente. O mistério, enfim, estava solucionado! A torneira do quintal do vizinho ficava no muro que divide nossas casas. Para mim, não havia nenhuma dúvida. Chamei-o para ver uma coisa do lado de cá do muro, e ele veio, deixando para trás a torneira aberta; claro, não é ele que paga!
– Quero que você me explique uma coisa, seu Manuel; como é possível não ter ninguém na minha casa e o relógio estar girando?...
– Realmente isso é muito estranho, Carlos, muito estranho... – ele falou com cara de desentendido, mas como quem está a fim de ajudar. – De duas uma: ou é vazamento ou a caixa d'água está enchendo, só pode ser isso.
– Seu Manuel, tenho quase certeza que a água que o senhor tira da torneira aí do quintal, que o senhor garante que vem direto da rua, vem da minha casa, e passa pelo relógio da minha casa, e sou eu que estou pagando por esses seus baldes todos aí fora... E vê se desliga logo essa torneira, pô! Ele ficou quieto. Voltou, fechou a torneira. Quando retornou ao meu quintal, mostrei-lhe o hidrômetro parado, o que comprovava minha suspeita.
Dia seguinte, o encanador quebrou o muro e constatou a fraude: um pedaço de cano desviava para o lado da casa do vizinho, e dava direto na torneira do seu Manuel, que me jurou por mais de uma vez que a fraude não tinha sido feita por ele, mas pelo morador antigo, este sim um verdadeiro larápio. Imagine que ele faria uma coisa como essa! Pediu desculpas, falou que não precisava roubar água da casa de ninguém, e que não sabia onde enfiar a cara... Acreditei na sua honestidade. Até fiquei com pena. Mas disse que teria de me pagar pelo menos metade do valor das contas da Sabesp referentes aos 6 meses em que estava morando ali. Como não tinha todas as contas, ficou acordado que me desse 25 por mês, 150 reais ao todo, além de pagar o encanador e todos os custos com o material usado para desfazer aquela fraude.

Carlos Conte
São Paulo, 3 de novembro de 2009.

6 comentários:

  1. velho... parmerense é tudo larápio... hehehe... eu moro no bairro da porcaida, a umas três quadras do chiqueirinho, e tenho um vizinho parmerense que desviou energia do prédio para o apartamento dele quando era síndico... e tinha uns outros parmerenses que justificavam: rouba mas faz... hehehe... agora a síndica é corintiana e está moralizando a parada... ou não... heheheh...abraço!

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  2. Nem venham! Nós palmeirenses, só fazemos uso da nossa massa encefálica cinza e de uma capacidade mafiática herdada de nossos encestrais Sicilianos, para modificarmos o meio a nossa volta, eu diria que é quase um instinto de sobrevivência de nós, porcos.
    Mas vocês curítianos! Que Deus me perdoe, mas são iludidos muito facilmente, vocês não passam de um fenômeno de massa que vive de si mesmo, de certo de que são as anedotas da Paulicéia Desvairada. Mas tudo bem, nós o aceitamos, o que seria de nós se não fossem vocês para serem nossos freguêses, para serem bi-eliminados na Libertadores, para terem que fazer uso de estádio público. Võcês são peculiares mesmo, e nós, deitamos e rolamos em cima disso.
    Hehe, ótimo texto Carlão!

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  3. caramba, que discurso, hein? impossivel ter saido da cabeca de um palmeirense!

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  4. Caro Carlão, duas uma, ou sua imaginação é muito fértil ou sua vida está cheia de boas tramas. Ótimos textos!! Abração, Neder.

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  5. Cara, todas as vidas estão repletas de boas tramas, pode acreditar!

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