terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Primeiro beijo

Estava numa rodinha de amigos, falando sobre qualquer coisa, para tentar me esquivar do inevitável. Claro que a Roberta Fonseca já estava na festa, em algum lugar daquela casa imensa do bairro da Lapa, e não devia pensar em outra coisa a não ser no nosso beijo planejado durante a semana. Suas amigas haviam cuidado de tudo, como se de fato fossem elas as beneficiárias da transação. Encarregaram-se de trazer e levar bilhetinhos, recados, palavras dispersas, de modo que Roberta Fonseca e eu, os maiores interessados no plano, não tivemos trabalho algum. Apenas nos cumprimentávamos de longe, na entrada ou na saída da escola, o que bastava para selar o acordo. Na festa do Armando, no próximo sábado, iríamos ficar.
Era impossível disfarçar o nervosismo, afinal nunca havia feito nada parecido antes. Como era uma festa de pré-adolescentes, organizada pelos pais do aniversariante, só era servida bebida alcoólica aos adultos, e por isso tive de me contentar em encher a cara de Coca-Cola, para ver se espantava a ansiedade. Que nada. Estava tremendo. Falávamos de futebol, de video-game, e qualquer outro assunto de interesse de um pré-adolescente, mas era óbvio que não conseguia pensar em outra coisa que não fosse a Roberta Fonseca e nosso plano fatal. Aliás, quando o assunto da nossa roda de conversa enfim chegou ao evento amoroso da noite, que de tão anunciado e comentado era de conhecimento geral, meus amigos não conseguiram esconder a inveja que sentiam de mim. É que Roberta Fonseca já tinha peitinhos. Uma pré-adolescente em pleno processo de desenvolvimento, em cujo corpinho era possível vislumbrar uma mulher maravilhosa. Usava sutiã há mais tempo que as outras. Falava de meninos sem qualquer vergonha. Era, também, a mais experiente de todas, mas raramente se abria para um menino da mesma idade. Ao contrário, gabava-se de só ficar com garotos mais velhos, estes sim homens de verdade, espertos, fortes e maduros. Acontece que havia resolvido, inesperadamente, abrir uma exceção. Sim, fui pego de surpresa, e senti o maior frio na barriga de que me lembro, quando duas de suas amigas, na hora do recreio, encostaram-se de maneira sincronizada na grade da quadra de futebol e ali ficaram esperando a partida terminar, até que pudessem me chamar de canto para passar uma mensagem da Roberta Fonseca: ela estava gostando de mim e queria ficar comigo na festa do Armando. Nem tive tempo de reagir. As duas se viraram e foram embora. Estava determinado: Roberta Fonseca e eu iríamos nos beijar na festa do Armando, isso estava decidido, e não tinha discussão. Sabia que era uma oportunidade única, e que todos os meus colegas me invejariam por causa disso. Mas sabia também que caso refugasse, desse para trás, meu nome ficaria sujo por tempo indefinido em todos os recantos da escola. Não disse sim, mas não precisava fazê-lo. Minha única opção era ir em frente.
Roberta Fonseca era boa demais para se misturar aos moleques. Do alto de sua popularidade, mandava as amigas, duas, três, quantas fosse necessário, enviarem seus curtos mas incisivos recadinhos. Logo após o parabéns, quando todo mundo estiver roubando brigadeiros e esperando a mãe do aniversariante servir o bolo, quando todos estiverem absorvidos pelas fotografias e guloseimas, ela estaria me esperando ao lado da edícula, num espaço escuro e reservado. Outra vez não me deram direito de resposta, e as amigas fizeram meia-volta para dizer a sua superiora que sim, tudo estava confirmado, na hora e no local combinados.
A casa estava bem cheia naquele começo de noite. Por isso, e também pela escuridão da pista de dança, ainda não havia visto minha futura amante, Roberta Fonseca. Só um pouco antes do parabéns ela resolveu sair do meio das amigas e mostrar-se para mim: estava uma gata, de vestido florido, sapato baixo, cabelos castanhos compridos e levemente encaracolados, olhos profundos, também castanhos, rosto bem feito, redondo, duas nádegas salientes, ainda tímidas, e duas protuberâncias na região do tórax que, espremidas no vestido, formavam um decote maliciosamente juvenil, chamando a atenção de todos os meus amigos, que, por inveja, em vez de me darem força, ficaram me jogando pressão: “Agora eu quero só ver, hein?”, “Xi, será que vai aguentar?...”, essas coisas que provavelmente eles ouviam dos garotos mais velhos da escola e agora reproduziam como se fossem os caras mais descolados e experientes do pedaço. Mas ali estávamos todos na mesma: futebol, video-game, e revista de mulher pelada. Aposto que não se sairiam melhor. E até que não estava indo mal; quando a Roberta Fonseca desfilou perto de mim pela primeira vez na noite, certamente para conferir se tudo estava mesmo de pé, se eu não iria recuar na última hora, olhei diretamente nos olhos dela, e fiz um aceno leve com a cabeça, querendo dizer que sim, e ela sumiu pela porta dos fundos da casa, acompanhada de perto pelo séquito de meninas, Brunas, Priscilas e Patrícias da vida.
Chegada a hora, fiquei distante da mesa do bolo para que pudesse sair da sala sem dificuldades assim que terminassem de cantar o parabéns. Fui ao banheiro, só para me olhar no espelho, tirar o cabelo do rosto, e olhar a condição dos meus dentes: arrependi-me de ter tomado tanta Coca-Cola quando vi que meus dentes estavam bem amarelados e minha saliva, melada, chegava a engrossar minha boca. Fiz bochecho algumas vezes. Pus na boca o halls reservado para a ocasião. E tentei me lembrar dos treinos que havia durante toda a semana no espelho do banheiro de casa: boca aberta, língua pra fora, mexendo-se de um lado para o outro, e evitar que os dentes batam nos dentes dela, ou que escape alguma mordida. Só alguns anos depois fui descobrir o prazer da mordida... Além do beijo no espelho, de sabor esquisito, também havia me preparado por meio da técnica do copo com gelo, que consiste em tentar pegar com a língua os cubos de gelo dentro do copo de requeijão. Nem me lembro com quem aprendi essas coisas.
Terminada a cantoria, saí da sala rumo ao quintal vazio, de onde se ouviam os aplausos e assovios da galera comemorando o aniversário do Armandinho. Caminhei rápido na direção da edícula, e nesse momento todos os sintomas de nervosismo e ansiedade aumentaram até um grau próximo do insuportável, as pernas bambas, a travação no peito, o frio na barriga, parecia que meus sentidos estavam todos embaralhados; precisaria falar alguma coisa? Aproximei-me do local combinado, e avistei um vulto encostado no muro dos fundos da casa; era da minha altura, não se movia, não falou nada. Cheguei mais perto, entrando também naquela imensidão escura, um espaço que sobrou entre a edícula e o muro que divide as duas casas, e me posicionei bem na frente dela. Se pudesse, retornaria à sala cheia de gente, onde me sentiria mais confortável, mas uma obrigação, um dever social, me mandava seguir adiante e beijar aquela boca de menina de 13 anos. Não dissemos nenhuma palavra. Teríamos que ser rápidos se quiséssemos continuar com aquela temível privacidade, que doía tanto no peito, como um peso, que me deixava até com falta de ar. Fechei os olhos e, não sei por qual motivo, meti as duas mãos nos seios dela, no momento em que nossos lábios se tocaram. Claro que sabia que aquilo não era permitido. O trato era beijar, não se esfregar, muito menos pegar nos peitos. Por que decidi fazer isso? Na verdade, não decidi, simplesmente fiz, por nervosismo, por audácia. “Deu branco”, como dizem, e fui direto nos peitos da Roberta Fonseca, dando tempo apenas de rolar um selinho antes do tapa que ela me deu na cara, que deixou marca. “Safado!”. Saiu dali correndo. Fiquei sozinho no escuro, com a deliciosa sensação daqueles peitinhos moles, macios, nas mãos. Pena que foi tão rápido... Um prelúdio das coisas verdadeiramente boas da vida. Depois disso, todos os moleques invejosos ficaram tirando sarro da marca vermelha no meu rosto – sinal do meu fracasso –, além de ter ficado com fama de tarado em toda a escola. Até rolaram boatos, ao longo das semanas seguintes, de que o irmão mais velho da Roberta Fonseca queria tirar satisfação comigo, o que nunca aconteceu.

São Paulo, 9 de fevereiro de 2010.
Carlos Conte

5 comentários:

  1. cara... o meu primeiro beijo também foi com uma roberta... e ela gostava de morder....heheheh

    visite o meu bloguinho tb...

    naturezacritica.blogspot.com

    não é muito engraçado, mas tá valendo... hehe... nos encontramos na babilônia uspiana...

    xau xau

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  2. ADOREI, CARLINI.
    e me senti uma mosquinha espiadora.
    beijão
    cecilia

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  3. Aew Carlos!
    Gostei do texto!Parabéns!

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